Alexis Pagliarini
“Nada é mais poderoso do que uma ideia que chega no momento certo”

*Alexis Pagliarini
O mundo dos eventos ainda está abalado com a repercussão do fato em torno da identificação de trabalho análogo à escravidão num fornecedor de um mega evento de entretenimento, o Lollapalloza. As consequências foram muito impactantes, com efeitos desastrosos nos bastidores. Não sabemos se por conta disso, mas houve até mudança da empresa organizadora para a edição de 2024.
O fato gerou insegurança no mercado com todo mundo preocupado com a fragilidade dos seus métodos perante às exigências legais. A pergunta reinante é: “Até que ponto o meu evento pode também ser alvo de uma fiscalização desse tipo e como posso garantir de estar compliance com as melhores práticas?”.
Tal questionamento foi objeto de uma ampla discussão do grupo ESG da CBIE – Câmara Brasileira de Eventos, do qual sou um dos coordenadores. As conclusões serão norteadoras de um documento formal, a ser assinado pelas instituições que fazem parte da CBIE. Como ainda não houve a assinatura de todos os envolvidos, não revelarei seu conteúdo aqui. Mas a dúvida que gera insegurança é: “Dá para seguir estritamente a lei trabalhista dentro da realidade dos eventos?”.
É claro que ninguém defende trabalho análogo à escravidão, mas todos sabemos do tour de force que é colocar um evento de pé. O tempo de montagem é sempre apertado e um sprint final, para além das horas habituais de um trabalho convencional, pode invadir noites e exigir um esforço adicional e temporário dos envolvidos.
Eu trabalho com Live Marketing há mais de 30 anos. Como cliente, já dormi no local de eventos durante a montagem. Como agência, virei muitas noites para entregar as atividades sob minha responsabilidade. Sei que é muito diferente quando você é bem pago e tem consciência de que aquele esforço é necessário e terminará num prazo curto. É diferente de você submeter sistematicamente seu colaborador ao desconforto de dormir sobre papelão num estande e de engolir uma quentinha (nem sempre quente) ali mesmo, no local de trabalho, em meio a ferramentas e materiais de trabalho.
Outro ponto importante é a corresponsabilidade de todos os envolvidos: o contratante, a agência e todos os fornecedores serão implicados num caso como esse. Logicamente, na incidência de um processo, o cliente (contratante) acaba sendo um alvo mais visado, por ter mais recursos no caso de uma condenação. Todos temos de nos preocupar. Como o cliente pode ter certeza de que todos os envolvidos estão em compliance com as melhores práticas?
Pois bem, se ainda havia dúvidas, fica aqui o alerta: os princípios ESG precisam entrar definitivamente na pauta dos eventos. É preciso aplicar a lente E, das questões ambientais, a S, das questões sociais e a G, de governança, urgentemente. Chegou a hora! Não dá mais para adiar. Como diria o grande pensador Victor Hugo, “Nada é mais poderoso do que uma ideia que chega no momento certo”. E o momento certo é agora. Pesquisas realizadas pela CBIE, com apoio da EventoÚnico, no ano passado, e da Revista Eventos, recentemente, mostram que a importância dada aos princípios ESG pelos contratantes ainda é relativa e não prioritária para aproximadamente metade dos respondentes. Isso precisa mudar, e rápido, sob risco de sofrerem graves consequências. Os exemplos estão aí.
Alexis Pagliarini
Eventos corporativos em tempos de polarização: neutralidade ou posicionamento?

Por Alexis Pagliarini
Vivemos uma era de polarização crescente. O debate público, no Brasil e em muitos outros países, tem se dividido em campos opostos, quase irreconciliáveis. E essa dinâmica não fica restrita à política. Ela invade o consumo, a cultura, a comunicação e, inevitavelmente, o universo dos eventos corporativos.
Quem organiza ou patrocina um evento sabe: não se trata apenas de logística, conteúdo ou experiência. Um evento é, acima de tudo, um espaço de representação de valores. Ele comunica — mesmo quando não pretende.
De acordo com o estudo anual Edelman Trust Barometer, as empresas seguem sendo as únicas instituições que ultrapassam o patamar de confiança de 60%. Confiamos mais nelas do que em governos, ONGs ou mídia. Mas essa confiança vem acompanhada de uma expectativa clara: não basta oferecer bons produtos ou serviços, espera-se das empresas (e, portanto, também dos seus eventos) uma postura propositiva, ética e responsável diante do mundo.
E aqui surge a encruzilhada: deve um evento corporativo manter neutralidade em temas sensíveis ou assumir posições claras?
A neutralidade pode parecer uma escolha segura. Em um ambiente polarizado, evitar discussões delicadas pode parecer a melhor forma de não gerar desconforto. No entanto, em muitos casos, a neutralidade é percebida como omissão. Participantes, principalmente os mais jovens, buscam coerência e coragem. Um evento que ignora temas urgentes — como diversidade, inclusão, sustentabilidade ou inovação social — corre o risco de parecer irrelevante.
Por outro lado, assumir posições implica riscos. Eventos que trazem para a pauta discussões sobre equidade de gênero, direitos humanos ou mudanças climáticas podem atrair críticas, boicotes ou acusações de “politização”. O movimento “anti-woke”, que cresce em diversos países, é um reflexo dessa resistência.
O caminho possível não está em escolher entre o silêncio e o ativismo desmedido, mas em construir autenticidade. Um evento precisa refletir a identidade, o propósito e a cultura da organização que o realiza. Se esses valores forem claros e consistentes, o posicionamento deixa de ser apenas um risco e passa a ser uma oportunidade de conexão genuína com o público.
Eventos coerentes com a prática das empresas que os promovem resistem melhor às críticas. Podem até perder a adesão de alguns, mas ganham legitimidade junto a quem valoriza atitudes alinhadas a princípios sólidos. E legitimidade é um ativo cada vez mais valioso em tempos de desconfiança.
No fim, a questão não é se um evento corporativo deve ou não se posicionar, mas como deve fazê-lo. A resposta está na capacidade de navegar a polarização sem abrir mão da sua bússola ética.
Alexis Pagliarini
COP30: Momentos de tensão

Por Alexis Pagliarini
Este é o terceiro artigo sobre a COP30 que escrevo por aqui. Desde o primeiro, já alertava sobre o risco iminente de colapso estrutural da cidade de Belém para receber um evento dessa magnitude. O que vemos agora é que a realização da COP30 em Belém, marcada para novembro de 2025, enfrenta um risco real — não pelas pautas climáticas, mas por uma crise humanamente previsível: a falta de hospedagem acessível e estruturada na cidade-sede. O que deveria ser uma oportunidade histórica para o Brasil se transformar em cenário de controvérsia por números: enquanto a expectativa é reunir cerca de 50 a 45 mil participantes, Belém dispõe de apenas cerca de 18 000 leitos formais.
O que já é um gargalo logístico transforma-se em crise quando se observa os valores praticados: hospedagens sendo oferecidas a até US$ 700 por diária — 10 a 15 vezes acima do preço normal — ou chegando a cifras surreais como R$ 100 000 por noite ou imóveis por R$ 2 milhões no período. Em uma comparação que beira o absurdo, uma acomodação passou de cerca de US$ 11 para US$ 9 320 por dia.
Diante desse colapso, o alarmante veio à tona com uma reunião de emergência realizada pela ONU em julho de 2025, quando delegações — sobretudo dos países em desenvolvimento — expressaram indignação e alertaram para possíveis cortes ou boicotes à conferência, se não houvesse resposta rápida. Alguns chegaram a pedir formalmente a transferência da COP30 para outra sede.
O governo brasileiro, confrontado com essa situação, se mobilizou. Firmou acordos com hotéis, articulou o uso de navios de cruzeiro com cerca de 6 mil leitos, ampliou alternativas como escolas, motéis, igrejas e a temida “Vila COP”, e manifestou o compromisso de apresentar um plano de mitigação até 11 de agosto.
Apesar disso, os efeitos permanecem preocupantes: consultas à nova plataforma de reservas mostram valores entre US$ 360 e US$ 4 400 por noite, além de quase 2 000 pessoas em lista de espera. O temor de exclusão de países e da sociedade civil cresce: se apenas os setores mais ricos conseguirem garantir hospedagem, a COP30 corre o risco de se tornar um evento elitizado, prejudicando sua legitimidade e o protagonismo brasileiro na agenda ambiental global.
Esse contexto é ainda mais delicado dado o cenário político internacional — com os Estados Unidos retirando-se do Acordo de Paris —, o que torna essencial que o Brasil conduza a COP30 de maneira simbólica e eficaz. Se falhar em garantir acesso equitativo, pode implicar em retrocessos diplomáticos e ambientais, perdendo uma oportunidade decisiva de reafirmar sua liderança e compromisso climático.
Em síntese, a COP30 já enfrenta um adversário real antes mesmo de começar: a incapacidade logística de oferecer hospedagem digna e acessível. Se os riscos — desde desertores até críticas globais — não forem contidos, o evento pode falhar em sua intenção mais básica: ser uma plataforma inclusiva para o futuro climático.