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Multicanalidade e personalização: os desafios do marketing 4.0

*Marcus Hadade e Regina Carvalho
Já parou para pensar quanta informação é trocada no mundo em seis minutos? A resposta é 9,1 mil terabytes de dados, segundo um levantamento do Instituto Gartner (2020), em parceria com a plataforma de gestão de dados Domo. Isso significa, por exemplo, mais de dois milhões de stories publicados, 400 mil aplicações para vagas de emprego no LinkedIn e 250 milhões de mensagens trocadas no WhatsApp. E isso falando apenas do on-line, mas imaginem o quanto esse número é ampliado quando colocamos na soma tantos outros canais do offline, como televisão, outdoors, revistas e outros. Este universo de telas e possíveis pontos de contato com o consumidor é o que chamamos no mundo do marketing de multicanalidade.
É neste ambiente complexo, com tantas plataformas e linguagens diferentes, que as marcas enfrentam diariamente o desafio de se conectar com seus clientes. É preciso abrir conversas em diferentes canais, respeitando a essência de cada um deles, e entendendo o momento que o indivíduo está quando tem contato com cada comunicação. Cada peça precisa ser minuciosamente trabalhada, com o máximo de personalização possível, para que seja capaz de reter a atenção de pessoas em um mundo que gira com a velocidade de um scroll na tela do celular.
Mas como se adequar à multicanalidade e à personalização de forma criativa e eficiente?
Estes dois elementos têm feito o volume de produção de peças publicitárias dos anunciantes crescer exponencialmente, uma mesma campanha precisa ser desdobrada em diferentes formatos. Um mesmo conceito deve ser entregue de uma forma no Instagram, outra no Tik Tok, mais uma no OOH (mídia out-of-home, como outdoors, relógios de rua e pontos de ônibus, por exemplo), e assim por diante, para garantir que será extraído o que há de melhor de cada veículo de mídia. Isso sem contar a atenção necessária em relação aos novos formatos que vêm surgindo no mercado constantemente, como vimos recentemente a Netflix lançando seu modelo de assinatura com anúncios. Ninguém sabe como o formato performará, mas as marcas já se movimentam para marcar presença em mais este canal.
Parece complexo, e é. Nesse caso, a prática é ainda mais difícil que a teoria, e as marcas precisam a cada instante entender novas plataformas e linguagens e uma campanha que antes tinha dez peças, hoje, tem mil e que necessitam ser atualizadas em períodos cada vez menores.
Há tempos também uma campanha não é feita a partir de uma única história. Para conseguir um minuto de atenção, é preciso entregar uma comunicação que conecte cada pessoa com seus hábitos, desejos e crenças. Se a conversa com os consumidores antes podia se dar por segmento social, hoje ela é reduzida quase a um indivíduo. Se na tela do Instagram o anúncio não tem a imagem, o texto, ou o formato que dialoga com aquele consumidor específico, a chance foi perdida. É fácil perceber isso a partir de nossas experiências pessoais nas mídias sociais: quando o conteúdo não remete àquilo que gera sensações positivas, passamos para a frente. Então, tem de ser praia para quem gosta de praia e montanha para quem gosta de montanha.
Operacionalizar tudo isso é um desafio. Exige muita estrutura, profissionais qualificados e automação.
Esses desafios criaram para produtoras e agências desafios de desenvolvimento de peças de comunicação para todos os tipos de canais, em escala e com velocidade sem igual. Para isso, tem sido necessárias criações de times dedicados, formados por profissionais qualificados e comprometidos, mas também por tecnologia de ponta. É um equilíbrio sinérgico entre pessoas, processos e automação. De nada vale a tecnologia sem a criatividade e inteligência do profissional. Contudo, sem a agilidade conferida pela automação, que te entrega a imagem certa, o preço certo, a informação referendada, as peças levariam dez vezes mais tempo para impactar o consumidor.
É uma cadeia de produção se movimentando em ritmo acelerado. O anunciante define estratégia, traz o conceito e a engrenagem começa a rodar: sai um post de rede social, um filme de televisão, um anúncio de revista, um vídeo do Youtube, e seguimos. Este é um cenário do dia a dia e que nos permite entregar para muitas das maiores marcas do Brasil as peças que precisam para que a troca com seu consumidor não pare.
Já assistimos também essa segmentação chegar às estratégias internas. Vejam um exemplo de uma vertical muito forte para nós: um cliente nos trouxe a demanda de dividir suas ofertas entre cinco categorias para que os preços fossem atualizados para seus vendedores de forma personalizada – quem vende mais batom, recebe mais ofertas de batom. Inteligente e possível, mas só com muita tecnologia, considerando o volume de venda e extensão territorial do nosso país.
Todas as marcas estão em uma corrida infinita para adequar suas formas de conversar com o consumidor, não só do ponto de vista de distribuição da mídia, mas principalmente na multiplicidade e escala criativa necessária. Para não ficar para trás, é preciso entender que nenhuma entrega será eficiente se não contar com criatividade humana, e nenhuma velocidade será adequada se os processos não se favorecerem da tecnologia. A equação está posta e sai na frente quem resolvê-la sem se acomodar com o primeiro resultado.
Aprendemos em mais de 20 anos de história que a inquietude é o motor do sucesso neste mercado e que é preciso estar sempre pronto para a próxima revolução e disposto a se reinventar. Pode ser hoje, amanhã ou daqui a um ano, mas a inovação virá e temos que estar preparados para ela.
*Marcus Hadade – Sócio-fundador e CEO do Grupo Arizona, composto pelas empresas Arizona e Visto.
*Regina Carvalho – Diretora de operações do Grupo Arizona
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Influenciadores digitais e direitos autorais: entre a viralização e a legalidade nas redes sociais

Por Talita Orsini de Castro Garcia , Isabela Zumstein Guido e Beatriz de Araújo Fonseca
A evolução das redes sociais transformou o influenciador digital em um verdadeiro empresário de conteúdo, capaz de movimentar parcerias comerciais e engajar audiências em nível global. No entanto, essa profissionalização traz à tona um desafio central: o uso recorrente e, em alguns casos, não previamente autorizado, de obras de terceiros, como músicas, fotografias ou trechos de vídeos. Essa problemática não se limita apenas às questões de compliance com a legislação relacionada à propriedade intelectual, pois envolve também a proteção da reputação de influenciadores e marcas, que investem tempo,criatividade e recursos na construção de suas marcas e da sua identidade digital.
No Brasil, o regime jurídico do direito autoral é disciplinado principalmente pela Lei nº 9.610/1998, que confere ao autor o direito exclusivo de reproduzir, distribuir e comunicar publicamente a sua criação. Embora a legislação preveja exceções restritas, como o uso apenas para fins de citação ou ensino, tais hipóteses raramente se aplicam a conteúdos veiculados por influenciadores digitais em contextos comerciais, nos quais a autorização prévia e expressa do titular é, via de regra, indispensável. O descumprimento dessas normas pode ensejar não apenas a remoção do conteúdo, mas também a responsabilização civil e, em casos extremos, penal.
Como forma de remediar a violação ao uso de direitos autorais, dentre outras violações penais e cíveis, o Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965/2014) instituiu o mecanismo de “notice-and-takedown”, por meio do qual as plataformas digitais, como redes sociais e sites de compartilhamento de conteúdo podem ser obrigadas e remover determinados conteúdos, após o recebimento de ordem judicial nesse sentido. Esse mecanismo visa equilibrar a liberdade de expressão com a proteção contra violações de direitos de terceiros.
No entanto, tal medida não impede que os autores tomem medidas diretas contra quem publicou ou compartilhou o conteúdo indevidamente. Ou seja, ainda que, em regra, as plataformas digitais só possam ser responsabilizadas após o recebimento de ordem judicial, o responsável direto pela veiculação do conteúdo pode ser acionado judicialmente a qualquer tempo, sem a necessidade de mediação pela plataforma. A responsabilização direta do influenciador, portanto, continua sendo a via mais célere e efetiva para titulares de direitos que buscam reparação por usos não autorizados de suas obras.
Esse modelo de responsabilização das plataformas está sendo objeto de reavaliação pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 987 de Repercussão Geral, que analisa a constitucionalidade da exigência de ordem judicial como condição para imputação de responsabilidade civil às plataformas por conteúdos gerados por terceiros, especialmente diante da crescente disseminação de conteúdos ilícitos, como discursos de ódio e desinformação. Até o momento, a maioria já se posicionou no sentido de flexibilizar esse requisito, reconhecendo que, em determinadas hipóteses, a inércia das plataformas diante de notificações extrajudiciais claras e fundamentadas pode ensejar sua responsabilização. Embora o julgamento ainda não tenha sido concluído, a tendência sinaliza uma possível inflexão no atual regime jurídico, com impactos significativos para a atuação de influenciadores, marcas e criadores de conteúdo, que deverão adotar posturas ainda mais diligentes quanto à regularidade dos materiais que veiculam em suas redes.
Paralelamente, as principais plataformas de redes sociais, como YouTube, Instagram e TikTok, como forma de mitigar riscos, implementaram tecnologias de detecção automática que, ao reconhecerem trechos protegidos por direitos autorais, podem silenciar áudios, bloquear vídeos ou destinar a monetização ao titular da obra. Essas medidas impactam diretamente o alcance e a receita do influenciador, além de impactar a reputação deste no mercado, criando um verdadeiro efeito dominó: perda de visibilidade, retração de anunciantes e até suspensão de contas.
Além das restrições tecnológicas, há o risco de responsabilização civil, em que a justiça tem evoluído no sentido de reconhecer o dever de indenizar não só por perdas materiais, incluindo lucros cessantes, ou seja, aquilo que o titular deixou de ganhar com o licenciamento, mas também pelos danos morais decorrentes do uso indevido de obras protegidas, imagem ou som. Em decisões recentes, tribunais confirmaram a aplicação dessas regras mesmo na ausência de lucro direto, reforçando a responsabilidade não apenas do criador de conteúdo, mas de toda a cadeia de produção e divulgação.
A gravidade das consequências jurídicas decorrentes do uso indevido de obras protegidas por direito autoral tem sido reiterada em decisões recentes do judiciário, como ocorreu em abril de 2025, quando o influenciador digital e ex-candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, foi condenado por utilizar, sem a devida autorização, a música “Oitavo Anjo”, de autoria do rapper Dexter, em peças de divulgação política. Na sentença, foi fixada indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil, além do reconhecimento do direito à apuração de eventuais perdas patrimoniais, a serem quantificadas em fase de liquidação.
O caso ilustra com clareza os riscos assumidos por criadores de conteúdo que ultrapassam os limites legais ao incorporar obras de terceiros em suas produções digitais. Ainda que não houvesse monetização direta por meio das plataformas ou do próprio influenciador, o uso da obra em um contexto promocional e estrategicamente vinculado à imagem deste foi suficiente para configurar violação aos direitos autorais e ensejar sua responsabilização.
Diante desse cenário, a adoção de posturas preventivas é imprescindível. A contratação de bibliotecas licenciadas, a negociação direta com titulares e a utilização criteriosa de obras em domínio público ou sob licenças abertas, como Creative Commons, representam caminhos seguros. Além disso, é fundamental manter documentação comprobatória de todas as autorizações, licenças, e contratos, de modo a comprovar, a qualquer tempo, a regularidade dos usos autorizados.
Do ponto de vista contratual, é fundamental que os acordos entre influenciadores e marcas estabeleçam, de forma clara, as responsabilidades e obrigações de cada parte, prevendo também garantias quanto à titularidade do material utilizado e obrigação de ressarcimento em caso de eventuais condenações, enquanto a marca contratante valida procedimentos de verificação e reserva-se ao direito de solicitar retiradas imediatas de conteúdos. Ao investir em produção própria de fotografias e vídeos, o criador fortalece sua autenticidade e reduz a dependência de terceiros, garantindo maior controle sobre a essência de seu conteúdo.
Diante do cenário dinâmico das redes sociais, os influenciadores digitais se deparam com desafios cada vez maiores em relação ao respeito aos direitos autorais. A facilidade de acesso e compartilhamento de conteúdo protegido exige deles uma postura consciente e informada, não apenas para evitar sanções legais, mas também para valorizar o trabalho criativo de terceiros. Assim, é fundamental a busca pelo conhecimento sobre as normas de propriedade intelectual e adotem práticas responsáveis na produção e divulgação de seus conteúdos, para a construção de um ambiente digital mais ético, colaborativo e seguro, sem prejuízo aos direitos dos autores.
*Talita Orsini de Castro Garcia é especialista da área Contratual e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
*Isabela Zumstein Guido é advogada especialista da área Contratual e Propriedade Intelectual do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
*Beatriz de Araújo Fonseca é trainee da área de Contratos Comerciais e Propriedade Intelectual do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
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O futuro do social media: da era do alcance à era da influência integrada

*Renan Caixeiro
Nos últimos 5 anos, o universo do social media passou por uma transformação tão acelerada que parece ter atravessado uma década. Em 2020, operávamos sob as lógicas da era do Facebook, com conteúdos estáticos, alcance orgânico significativo e estratégias centradas em curtidas e seguidores. Hoje, a realidade é completamente diferente e o futuro aponta para um papel mais complexo, estratégico e integrado do profissional de redes sociais.
Em 2025, 63,9% da população global usa redes sociais e o tempo médio diário nesses ambientes chega a 2h21. Estamos mais online, mais expostos e mais seletivos. Plataformas como TikTok, que pareciam uma moda passageira, redefiniram padrões de consumo. Os vídeos curtos viraram o idioma dominante. E, mais recente, o Threads surge com força, já ameaçando gigantes como o X (ex-Twitter) e até o próprio TikTok nos EUA. Ao mesmo tempo, a explosão do social commerce mostra que as redes sociais deixaram de ser apenas vitrines: hoje são verdadeiros shoppings com checkouts integrados.
Enquanto o consumo aumentou, o alcance orgânico despencou. Os algoritmos mudaram e, com eles, o modo de trabalhar. O Facebook viu sua taxa de interação cair 36% nos últimos anos. No Instagram, a queda foi de 16%; no TikTok, 34%. A resposta natural do mercado foi o aumento nos investimentos em mídia paga. Mas há um detalhe importante: os criativos que realmente geram engajamento continuam entregando melhores resultados , inclusive em performance. A criatividade segue como ativo inegociável.
Por isso, ser social media hoje é ser multitarefa. É planejar, criar, agendar, impulsionar, responder, analisar e refinar, tudo isso, de preferência, com uma visão estratégica. A atuação desse profissional se espalha entre agências enxutas, freelas sobrecarregados e startups em busca de eficiência. E apesar do caos (ou talvez por causa dele), esse é um dos papéis mais críticos para o sucesso das marcas digitais.
O futuro do social media será moldado por três grandes forças: IA, integração com vendas e autenticidade. A IA será fundamental para escalar operações, gerar conteúdo, testar criativos e até responder usuários com mais agilidade. Personagens e conteúdos gerados por IA vão se tornar indistinguíveis dos “reais”, o que vai pressionar plataformas a estabelecer novos limites e, possivelmente, criar novos mercados.
A segunda grande transformação é a integração definitiva entre social e e-commerce. Vendas por WhatsApp, automações, TikTok Shop, catálogos no Instagram: o social media terá cada vez mais responsabilidades relacionadas ao funil de vendas. Não será mais suficiente falar de engajamento, será necessário falar de conversão.
Por fim, a autenticidade volta ao centro. A saturação de conteúdo forçou o público a filtrar mais. Os algoritmos, agora, favorecem menos o volume e mais a profundidade. A escuta ativa, o conhecimento de contexto e a fluência cultural se tornaram habilidades indispensáveis.
O social media do futuro não será apenas um executor de calendário. Será um analista de dados, um estrategista de marca e um criador de tendências. E para isso, precisará estar em constante evolução. A pergunta que fica é: sua estratégia de social media está atualizada para esse novo cenário? Ou ainda opera com as regras de um jogo que já mudou?
*Renan Caixeiro – Cofundador do Reportei