Dilma Souza Campos
Cannes decretou: não existe criatividade sem diversidade
Por Dilma Campos
Por anos, o Festival Internacional de Cannes ditou as tendências do mercado publicitário. E, se em 2022, o principal Festival da Criatividade ampliou o olhar para a diversidade – após uma carta aberta ao CEO do Cannes Lions, Simon Cook, cobrar a presença de mais jurados brasileiros negros no Festival – a edição de 2023 respondeu ao apelo com a maior presença de jurados negros da história do prêmio.
Pelo segundo ano, fui uma das juradas convidadas para essa 70ª edição, e constatei, na prática, como algumas ações foram criadas para ir além da inclusão de diferentes pontos de vista no julgamento dos casos nas mais diversas categorias.
A começar pelo treinamento recebido pelos jurados, que reforçou os critérios objetivos de avaliação dos trabalhos e incluiu a diversidade como aspecto crítico dessa escolha. O treinamento reforçou a importância de evitar os viéses inconscientes nas decisões e, tenho certeza, abriu muito o campo de visão dos jurados este ano.
Posso falar por mim: foi muito natural, como representante mulher e preta da categoria Outdoor Lions, instigar a todo momento os jurados para esse olhar diverso e inclusivo na escolha dos finalistas.
Não por acaso, o Grand Prix dessa categoria foi escolhido por unanimidade: a campanha British Original, da British Airlines, que conseguiu unir a estrutura clássica de um Outdoor sem deixar de flertar com o digital. Sua originalidade aparece ao dialogar com os consumidores após a tradicional pergunta “Qual o motivo da viagem? Trabalho ou lazer?”, incluindo uma terceira opção de resposta super personalizada, que poderia ser desde “Porque estou com um anel no bolso há muito tempo”, a “Porque estou em remissão”.
Essa interatividade, que seguiu a campanha para além do outdoor, mostrou extrema empatia ao reconhecer a multiplicidade de perfis de pessoas que viajam por motivos diversos. “Desencaixar” as pessoas de suas fôrmas pré-fabricadas, como a do típico executivo de terno e gravata em viagem a trabalho ou da tradicional família com filhos que viaja de férias, permitiu uma conexão mais próxima a clientes plurais, diversos e representantes legítimos da vida real.
Métricas e indicadores de diversidade
A exemplo da categoria Outdoor, equipes mais diversas de jurados impactaram as escolhas dos premiados. Pela primeira vez, países como Nigéria e Armênia ganharam seus leões no Festival. Em termos de temáticas dos speakers, diversidade, inovação, criatividade, inclusão, equidade, acessibilidade e sustentabilidade deram o tom nos palcos e nas rodas de conversa no Palais des Festivals.
O mundo está mudando e o Festival de Cannes está abraçando a máxima de que, sem diversidade, não há criatividade. O desafio agora é ampliar essa visão para as agências de publicidade e empresas.
Assim como em Cannes os trabalhos inscritos foram incentivados a fornecer informações sobre a composição das equipes envolvidas nos bastidores, o que deve medir o progresso da diversidade no Festival, as agências devem começar a criar métricas internas para ampliar a diversidade e a inclusão das suas equipes.
Como Head de ESG na B&Partners.co iniciamos um importante trabalho nesse sentido com as empresas do grupo. Além de métricas para práticas mais sustentáveis ambientalmente, usamos o Termômetro da Diversidade, indicador desenvolvido por nós, que permite comparar os índices de diversidade dos colaboradores com a representatividade dos marcadores sociais na população brasileira. Desse modo, medimos os KPIs que nos norteiam no cumprimento das estratégias de DEI (Diversidade & Equidade) definidas pelo Grupo.
Para finalizar, reforço a máxima que Cannes abraçou no discurso e que começa a colocar em prática: sem diversidade não há criatividade. E, se esse é o drive do maior Festival de Criatividade do mundo, quem somos nós, “meras” agências de comunicação, para contrariar?
Dilma Souza Campos
Seis motivos para aumentar a representatividade de líderes negros nas empresas
Por Dilma Campos
Os negros representam 56,1% da população brasileira (IBGE), mas ocupam apenas 4,7% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas do país, segundo levantamento do Instituto Ethos. No recorte de gênero, as mulheres negras representam apenas 0,4% dessas posições.
Basta uma rápida olhada nestes números para constatar que, apesar do avanço nas discussões sobre práticas ESG e D&I (Diversidade e Inclusão) nas organizações, há ainda um longo caminho a ser percorrido. O diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, estima que “se o avanço da representatividade continuar nesse ritmo, só teremos a equidade demográfica em todos os níveis hierárquicos daqui a 100 anos”.
Uma fala que nos choca e impulsiona a ter intenção e ação para mudar esse cenário.
No mês da Consciência Negra, resolvi reunir seis motivos que demonstram a importância de aumentar a representatividade de líderes pretos nas organizações.
Em primeiro lugar, para que outros profissionais que estejam em funções hierárquicas mais baixas tenham uma referência que mostre que é possível chegar lá. Parece algo simples, mas só quem é negro sabe a importância disso na carreira.
Antes de empreender e ser CEO da Nossa Praia, cheguei à posição de diretora executiva de um grande grupo de comunicação, mas era a única líder preta nessa função.
O segundo motivo é permitir uma inclusão real de pessoas negras na empresa. Não adianta criar vagas afirmativas e aumentar o número de colaboradores pretos na organização se no dia a dia vieses inconscientes os excluem das oportunidades e do lugar de fala, bem como das promoções e oportunidades de crescimento que surgem. Infelizmente, situações de constrangimento e preconceito ainda são uma realidade em muitas empresas. A presença de executivos negros ajuda a combater preconceitos e estereótipos raciais na cultura organizacional e amplia as oportunidades de outras pessoas pretas.
O terceiro motivo é financeiro. O relatório “Why diversity matters”, da McKinsey, mostra que, para cada 10% de aumento na diversidade racial e étnica dos executivos seniores, o Ebitda da organizações aumenta 0,8%. Isso se explica, em parte, pelo quarto motivo que vem a seguir.
Lideranças diversas contribuem para o bem-estar e a felicidade no trabalho: 64% dos colaboradores indicam que estão felizes na empresa, em comparação com apenas 31% das empresas que não são comprometidas com a diversidade! Funcionários de empresas comprometidas com a diversidade têm 152% maior probabilidade de propor novas ideias e tentar novas formas de fazer as coisas, e probabilidade 73% maior de relatar uma cultura de liderança em prol do trabalho em equipe, o que afeta positivamente a forma como as pessoas se comportam. Impacto positivo na sensação de pertencimento e na produtividade da equipe resumem essa equação.
Motivo número 5: Diversidade e inovação caminham lado a lado. O estudo da McKinsey aponta que os funcionários de empresas percebidas como comprometidas com a diversidade são 66% mais propensos a relatar que seus líderes promovem a inovação. Aliás, a relação entre inovação e diversidade já foi tema de um outro artigo que escrevi aqui na Revista Live Marketing.
Múltiplos olhares para as necessidades do consumidor em um mundo globalizado e dinâmico é o sexto motivo para ter líderes diversos no quadro executivo das empresas. A velocidade das mudanças e o impacto da tecnologia exigem times que enxerguem várias possibilidades e cenários, além de soluções para os desafios que surgem. Para simplificar: enquanto times homogêneos enxergam um problema por apenas um ângulo, equipes heterogêneas e diversas têm uma visão ampliada por diferentes pontos de vista, o que facilita a solução criativa.
Deixo aqui uma reflexão final: diante de tantas vantagens, faz sentido continuar perpetuando o mesmo modelo de liderança do passado? Ou sua empresa está pronta para abraçar todas essas oportunidades que a diversidade no quadro de liderança proporciona?
Dilma Souza Campos
Hackeamos o Canvas! Incluímos ESG no Business Model Canvas
Por Dilma Campos
Se alguém me dissesse há 10 anos que eu estaria no palco do Rio Innovation Week no mesmo dia da palestra prática de Alex Osterwalder, o inventor do Business Model Canva, apresentando um modelo hackeado dessa ferramenta de gestão que o mundo inteiro utiliza para ampliar a ferramenta com o olhar do ESG, eu provavelmente não acreditaria.
Quando eu olho para a foto do Alex nos parabenizando por essa inovação, percebo que de fato a economia regenerativa se apresenta como o caminho mais viável para a sobrevivência dos negócios e do planeta e que a conscientização dessa necessidade evoluiu muito nesses 10 anos. Mas ainda há muito a fazer!
Por isso, para ajudar as empresas nessa jornada de transformação, lançamos no dia 5 de outubro o Business Model (Re)Generation Canvas (BMREG), releitura do Modelo Canvas, em um dos maiores eventos de inovação e tecnologia da América Latina, que recebe mais de 100 mil pessoas no Píer Mauá, Rio de Janeiro.
O BMREG foi desenvolvido de forma colaborativa pela comunidade de prática #ESGpraJÁ, da qual faço parte. Somos um Grupo de Estudos Avançados em ESG e Estratégia Criativa com o objetivo de impulsionar as práticas ambientais e sociais dos negócios e marcas. Nosso objetivo é buscar soluções concretas e práticas para trazer o ESG para a realidade das empresas.
Para operacionalizar essa ideia, entendemos que era necessária uma ferramenta que ajudasse a desenvolver novos modelos de negócio com base nessas premissas sustentáveis. Recorremos então à grande referência mundial, o Business Model Canvas de Osterwalder, apresentado no best-seller Business Model Generation, livro que já foi traduzido para mais de 30 idiomas e é uma das ferramentas mais usadas do mundo.
Com uma referência tão consolidada globalmente, não fazia sentido desenvolver outra do zero. Decidimos então hackear a ferramenta e acelerar um reframing do Canvas com a proposta de tornar os negócios lucrativos e regenerativos ao mesmo tempo.
Quadrantes do Canvas e Economia Regenerativa
O que o BMREG faz é propor uma adequação dos 9 quadrantes do Canvas original às novas necessidades de negócio dos tempos atuais.
Vamos entender como isso funciona na prática: quando o Canvas se refere ao quadrante de Segmento de Clientes, ele propõe uma investigação criativa das dores dos clientes que estão no foco do negócio. No BMREG, o escopo é ampliado para todos os stakeholders: além dos clientes, é preciso ampliar a visão e pensar nas dores dos fornecedores, colaboradores, acionistas, da sociedade e do planeta.
O mesmo exercício se aplica ao quadrante Proposta de Valor do Canvas tradicional, que é a resposta da empresa – em forma de produtos, serviços ou experiências – para as dores e desejos dos clientes. No BMREG, devemos pensar no Propósito de Valor do negócio, que é muito mais abrangente. O propósito de valor mescla o propósito do negócio – motivo pelo qual aquele negócio existe e porque seria bom para todos os seus stakeholders que ele continuasse existindo – ao valor que pode ser gerado para todos os stakeholders.
Em Relacionamento com clientes, a proposta do BMREG é de que esse quadrante fale de Relacionamentos Regenerativos. A construção relacional é um capítulo super estratégico para a experiência do cliente como um todo e para o sucesso do negócio. Ou seja, o relacionamento com todos os stakeholders deve ser baseado em práticas saudáveis, transparentes e de impacto positivo. Saúde mental dos colaboradores e marketing regenerativo são propostas aplicáveis deste quadrante.
Dessa forma, os 9 quadrantes do Canvas foram repensados para refletir a abrangência e a complexidade dos negócios em uma época que precisamos encontrar soluções práticas para os desafios ambientais e sociais do planeta.
De uma forma simplificada, como podemos saber se uma marca ou empresa está plenamente alinhada com os novos tempos? A resposta é que ela precisa ser lucrativa e regenerativa ao mesmo tempo.
Essa é uma jornada de transformação gradual e contínua, que começa com uma simples decisão. A decisão de querer fazer parte da construção de um mundo sustentável para todos os que habitam nele: todos os stakeholders do negócio, o meio ambiente e a sociedade.
O BMREG é nossa contribuição colaborativa e open source (gratuita), disponível para todas as pessoas e empresas que decidiram fazer parte desse novo mundo. Junte-se a nós na missão de tornar nosso planeta um lugar mais sustentável!