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A nova Kombi, a greve dos roteiristas Americanos e os perigos do uso indiscriminado da Inteligência Artificial no setor artístico

Publicado

em

*Marina Allodi Rossit Timm e Ana Carolina Barreto

Se a intenção da Volkswagen Brasil com o comercial da nova Kombi foi causar polêmica, o intuito foi atingido com (muito) sucesso. O vídeo de lançamento do automóvel, com cerca de dois minutos de duração, traz, dentre outras, uma cena em que uma Kombi antiga e uma Kombi nova andam lado a lado, ao som da música “Como Nossos Pais”, de autoria de Belchior e interpretada por Elis Regina, cantada por Maria Rita, filha de Elis; quando a câmera muda, podemos ver que, dentro da versão nova da Kombi, está Maria Rita e, na Kombi antiga, vemos Elis Regina que inicia um dueto com a filha. Uma bela homenagem, se não fosse o fato de que Elis faleceu em 1982. Suas imagens, e também a sua voz, foram reconstituídas por inteligência artificial (IA) para o comercial, e não tardou para que a propaganda fosse objeto de representação ética pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).

Por um lado, um grupo considerou o comercial uma excelente homenagem à vida e história de Elis, e uma linda maneira de sua filha cantar com a mãe – já que Maria Rita tinha apenas quatro anos quando Elis faleceu, de modo que esse dueto nunca ocorreu, ao menos em público e na realidade não virtual. Por outro lado, a campanha abre um precedente que pode ser tanto incrível quanto – mais provavelmente –espantoso: o uso de imagem e voz de uma pessoa, mesmo que esta já tenha falecido há anos, para criar situações ou falas que nunca existiram.

Nesse ponto, vale relacionar essa história com a greve dos artistas e roteiristas que está ocorrendo em Hollywood neste ano de 2023, para que possamos entender como a temática é sensível e extremamente atual. O que ocorreu foi que, no início do ano, roteiristas de streamings famosos iniciaram uma greve visando um aumento salarial e melhores condições de trabalho. Como os estúdios não pareceram sensibilizados com a demanda, a greve foi se alastrando e conquistou o apoio de diversos artistas, que não tardaram a manifestar solidariedade aos roteiristas. Dentre os diversos pronunciamentos de roteiristas e artistas, não foram raros aqueles que mencionavam a substituição dos roteiros criados pelos profissionais por versões criadas a partir de ferramentas de inteligência artificial, tampouco relatos de artistas sobre um novo formato de contratação, no qual o estúdio pagaria ao artista um valor fixo para – atenção! – digitalizar sua imagem e voz para uso posterior em produções automatizadas por inteligência artificial, sem vinculação do artista a royalties futuros de tais produções.

Compreendido, em linhas gerais, o contexto em que estão ocorrendo essas propostas, entende-se também como o comercial da Volkswagen Brasil pode ser um prelúdio do que está por vir. Como estamos, aqui, nos propondo a discorrer especificamente sobre a situação envolvendo Elis Regina, passemos, então, a nos debruçar sobre as possíveis implicações do uso da imagem post mortem da cantora para utilização no comercial.

Neste caso específico, o grande ponto de atenção vai para o consentimento da cantora sobre o uso de sua imagem e voz no comercial; é evidente que a cantora não pode ter consentido o uso de sua imagem e voz para esse comercial e, pelo que podemos entender, a falta de consentimento da mãe foi suprida pelo consentimento da filha, Maria Rita, que contracena com ela no comercial. No entanto, ainda que seja relativamente comum a autorização post mortem para a veiculação de obras feitas em vida, tais obras permanecem um reflexo do que o artista produziu em vida, mas não vai além. Ainda em casos em que há complementação de produção inacabada, como foi feito na obra “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queiróz, há um disclaimer bastante veiculado de que existem, na obra, considerações não autorizadas, aprovadas ou desenvolvidas pelo artista.

Até a veiculação do comercial mencionado não existia qualquer tipo de imagem de Elis Regina cantando “Como Nossos Pais” enquanto dirigia uma Kombi antiga; assim, a inteligência artificial criou essa cena, do zero. A criação de cenas diversas da realidade é bem comum em filmes e séries de fantasia, mas nunca havia sido criada uma cena irrealista post-mortem com uso de inteligência artificial. Outro ponto que vem sendo debatido é o uso de uma canção e imagem para a veiculação de um produto de uma empresa para a qual não se sabe se Elis Regina teria realmente atuado e cantado.

Como, neste caso, o consentimento ao uso da imagem e voz de Elis Regina para o comercial pode ser entendido como realizado pela família, pergunta-se até que ponto familiares podem atuar em nome do falecido para a efetivação de projetos como este.

Esse mesmo questionamento surge com relação ao consentimento geral que foi cogitado no caso dos artistas de Hollywood, sem que haja um alinhamento específico, ou seja, algumas propostas dos estúdios incluem a possibilidade de uso da imagem e voz dos artistas para produções posteriores, sem a necessidade de qualquer intervenção dos artistas em tais produções.

No que tange à legislação brasileira, podemos mencionar tanto o Código Civil quanto a Constituição Federal, traçando um paralelo entre os dois dispositivos. O Código Civil, em seu artigo 20, prevê como possível “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa”, desde que não haja proibição. Seu parágrafo único ainda ressalva que, em caso de pessoa falecida ou ausente, as pessoas competentes para requerer a proibição são seus familiares, restritos a cônjuge, ascendentes e descendentes. No mesmo sentido versa o artigo 5º, X da Constituição Federal, que prevê como direito fundamental inviolável a honra e a imagem da pessoa.

Deste modo, analisando a situação, e considerando que é bastante provável ter havido consentimento dos familiares, não há falta de embasamento jurídico para justificar, em uma primeira análise, a ilegalidade do uso de imagens e voz de Elis na propaganda da VW. A representação ética do CONAR, portanto, atua exclusivamente, ao menos nesse ponto, na seara ética, mais passível de questionamentos e opiniões do que os dois dispositivos legais mencionados.

Importante, porém, que se ressalve que todo o embasamento legal mencionado aqui foi idealizado e consolidado anteriormente à situação em tela – em que é possível, além de utilizar a imagem de determinada pessoa, criar novas cenas e situações, das quais a pessoa em si nunca participou; deste modo, ainda que, a princípio, a legislação não se oponha à situação, nunca se pode descartar a possibilidade de que lei superveniente venha a ser formulada para regular campos do direito ainda não regulados ou que a própria lei já existente venha a ser interpretada de um ou outro jeito para acomodar situações ainda não existentes quando de sua entrada em vigor.

A Inteligência Artificial pode ser utilizada de inúmeras maneiras e, como em outros âmbitos do direito, a sua regulamentação é primordial de modo a proteger direitos existentes e evitar sua utilização de modo a prejudicar a ordem pública e as pessoas em geral. Nesse âmbito é necessária uma última reflexão quanto ao direito ao esquecimento na utilização especificamente de imagens de pessoas post mortem. A morte é algo completamente natural – embora a sociedade tenda a não enxergar desta forma – e as pessoas realmente têm o direito a uma morte tranquila, sem preocupações sobre o que pode ser feito com sua imagem e voz no futuro, e sobre como isso pode impactar seu legado. Tal preocupação, que se inflamou apenas no momento, não é tão recente para algumas personalidades no exterior; Whoopi Goldberg, artista americana, recentemente declarou que consta em seu testamento há quinze anos a proibição de que sua imagem seja reproduzida após sua morte por meio de holograma.

O fato é que, à primeira vista, a possibilidade de ver seus artistas preferidos em novas produções, em caráter perene, pode ser bastante encantador aos fãs; no entanto, é necessário sempre lembrar que, por trás dos personagens e figuras públicas que tanto adoramos, existem pessoas com todos os direitos que gostaríamos que fossem garantidos a nós mesmos. É justamente por isso que, enquanto não há legislação internacional ou nacional que o faça, são necessárias delimitações cada vez mais precisas, por exemplo em contratos de licença de uso de imagem ou nos próprios contratos de trabalho, sobre o que é ou não permitido fazer com as imagens coletadas e vozes gravadas (além de se determinar o período pelo qual as imagens e as vozes poderão ser reproduzidas e para quais fins).

Considerando a amplitude do uso da Inteligência Artificial e de como todos nós podemos e seremos afetados por ela, é extremamente necessária, atual e válida a discussão sobre o estabelecimento de claros limites para a utilização da tecnologia, em âmbitos gerais, de modo que ela continue a nos facilitar o dia a dia e a permitir criações cada vez mais realistas, mas que seja submetida a limites não só legais, mas éticos e morais, especialmente quando envolver direitos tão intrínsecos à personalidade.

* Marina Allodi Rossit Timm – Advogada especialista da área contratual e imobiliária  do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.
* Ana Carolina Nicolodi Paes Barreto – Trainee da área contratual e imobiliária  do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.
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Estamos preparados para 2027? 3 sinais de que sua empresa está atrasada na corrida da IA

Publicado

em

*Por Anselmo Albuquerque

Recentemente, mergulhei no projeto AI-2027 (https://ai-2027.com), uma simulação detalhada do futuro da inteligência artificial nos próximos meses. O estudo foi elaborado por Daniel Kokotajlo, pesquisador da Open Philanthropy especializado em cenários de longo prazo e riscos existenciais ligados à IA, e conta com uma introdução escrita por Scott Alexander, autor do blog Astral Codex Ten e uma das vozes mais influentes na análise crítica de tendências tecnológicas e filosóficas contemporâneas, não é um exercício de ficção. É um alerta racional e estratégico.

Trata-se de uma narrativa construída mês a mês, com projeções realistas sobre como a IA pode evoluir, colidir com estruturas sociais e impactar decisões políticas, econômicas e até existenciais. Mas o ponto que mais me chamou atenção não foi o “quando”. Foi o “como”.

Três sinais que merecem nossa atenção agora

1. IA criando IA: o gatilho da aceleração cognitiva
Quando uma IA for capaz de desenvolver ou melhorar outras IAs, entraremos num novo ciclo evolutivo, onde a velocidade do avanço tecnológico deixará qualquer modelo de planejamento humano obsoleto. Esse é o ponto de virada. O que era linear se torna exponencial.

2. Cibersegurança como novo campo de batalha
As primeiras aplicações geopolíticas da superinteligência podem surgir no subsolo invisível dos ataques cibernéticos. Países, empresas e organizações estarão vulneráveis não a tanques, mas a códigos. Quem não entender isso, vai continuar investindo em estratégias do século XX para enfrentar desafios do XXI.

3. Linguagem opaca entre máquinas: o risco do neuralese*
Imagine duas IAs conversando em uma linguagem que nem os engenheiros que as criaram conseguem entender. Sem transparência, perdemos o alinhamento. E sem alinhamento, entregamos poder a uma caixa-preta que decide por nós sem sabermos como ou por quê.

2027 pode parecer longe. Mas em termos de desenvolvimento de IA, é quase amanhã. Só para você ter uma ideia, a OpenAI já realizou mais de 20 atualizações significativas no ChatGPT desde 2022. Isso inclui novos modelos (como GPT-4 e GPT-4-turbo), capacidades multimodais (voz, visão, código), uma loja de GPTs personalizados e interfaces mais integradas ao cotidiano das empresas e pessoas.

E aqui vem o ponto-chave: diferente de outras “transformações digitais” pelas quais empresas passaram nos últimos anos, muitas das quais sequer mudaram o chip da alta liderança, a IA exige uma mudança estrutural de visão, de linguagem e de prioridade.

Estamos falando de algo muito mais estratégico do que trocar um sistema de ERP. Quantas empresas passaram anos decidindo qual ERP implantar, levaram outros tantos para implementar, e hoje usam menos de 10 por cento da sua capacidade? Com a IA, essa abordagem incremental simplesmente não vai funcionar.

A pergunta real é: você está na prática compreendendo que isso vai muito além de um ChatGPT? Você já colocou esse tema entre as 3 prioridades estratégicas da sua empresa para os próximos 24 meses?

Se você é líder, empreendedor ou profissional de marketing ou comunicação, este é o momento de pensar e agir com uma velocidade e profundidade que talvez você nunca tenha considerado antes. Pensar como arquiteto do futuro, com os pés no presente, mas os olhos firmes na linha de colisão entre humanos e inteligências artificiais.

Referências:

*Neuralese é um termo usado no cenário AI-2027 para descrever uma linguagem interna que IAs podem desenvolver ao se comunicarem entre si, potencialmente indecifrável para humanos. Essa opacidade pode dificultar a supervisão e o alinhamento com valores humanos, tornando a IA uma caixa-preta.

*Anselmo Albuquerque – CEO da Lean Agency, publicitário com mais de 20 anos de experiência no mercado de comunicação. Reconhecido como referência no tema de Inteligência Artificial.

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“Branding de legado: o que Alfred Nobel ainda ensina sobre reputação e propósito”

Publicado

em

*David V. Bydlowski

Quando falamos em branding pessoal ou reputação de marca, a história de Alfred Nobel continua sendo um dos exemplos mais potentes, e talvez mais incômodos, de como memória e legado são construídos. O químico sueco, celebrado hoje como patrono do Prêmio Nobel, foi também o inventor da dinamite, descoberta que o tornou milionário no século XIX. Porém com a fortuna veio a culpa e a reputação sobre uma descoberta cujo impacto se estendeu a cenários de guerra.

O ponto de virada aconteceu por acidente. Após a morte de seu irmão, um jornal francês publicou, por engano, o obituário de Alfred Nobel. O título era devastador: “O mercador da morte está morto”. Naquele instante, Nobel teve um choque de reputação: percebeu que seria lembrado não como um cientista brilhante, mas como alguém associado à destruição.

Esse episódio ecoa fortemente no presente, pois foi com essa manchete que Nobel decidiu transformar o significado do seu nome, criando a nobre instituição pela qual hoje é lembrado. Trazendo ao universo digital dos dias atuais, percebe-se que não é mais apenas a imprensa que molda a narrativa, mas milhares de interações diárias. Se você não cuida da sua história, o público a escreve por você e nem sempre da maneira mais justa.

O obituário digital

Vivemos em um tempo em que a reputação não é construída apenas por campanhas sofisticadas ou slogans bem pensados, mas por rastros cotidianos: curtidas, posts, vídeos, comentários soltos, tweets deletados. Cada fragmento é uma peça que compõe o que se poderia chamar de “obituário digital”. Uma biografia coletiva e permanente, formada por aquilo que o mercado, os consumidores e os algoritmos interpretam e guardam sobre você ou sua marca.

A lição de Alfred Nobel é clara: branding não é só imagem. É herança. Reposicionar é mais que comunicar

Em vez de tentar apagar a associação com a destruição, Nobel escolheu outra estratégia: destinou 94% de sua fortuna à criação do Prêmio Nobel, uma instituição dedicada a reconhecer avanços da humanidade. Nem usou sua fortuna para tentar pagar jornalistas para escrever sobre sua história sob outra ótica. Criou propósito.

Esse gesto é um paralelo direto com as empresas que, hoje, ultrapassam o território do marketing de produto e constroem reputações ancoradas em ESG, impacto social e coerência narrativa de longo prazo. Não se trata de cosmética, mas de estrutura.

Para quem trabalha com comunicação, a reflexão é inevitável: SEO, redes sociais, vídeos e campanhas não são apenas ferramentas de performance. São instrumentos de memória. O que se publica hoje pode aparecer amanhã em um pitch, em uma negociação de M&A ou na decisão final de um consumidor.

O que a publicidade tem a ver com isso?

Tudo. Muitas marcas ainda operam sob a lógica do branding de ocasião, a resposta rápida à tendência, à crise ou ao algoritmo. Mas branding de oportunidade não sustenta branding de legado. E a consequência é clara: As empresas que constroem com intencionalidade, colhem os frutos por gerações.

Alfred Nobel nos lembra que reputação é menos sobre o que você vende e mais sobre o que você deixa. Cabe às marcas e às pessoas decidir se sua história será esquecível ou transformadora.

Em tempo: Nobel morreu em 10 de dezembro de 1896, em San Remo, na Itália. E hoje poucas pessoas sabem que ele foi também o criador da dinamite.

*David V. Bydlowski – Fundador e principal executivo da Rosh Digital, agência com foco em inovação digital e inteligência artificial.

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