Naty Sanches
Gerenciamento de crise: o que o case Hurb nos ensina?

*por Naty Sanches
Enquanto escrevo este artigo, leio que João Ricardo Mendes, fundador do Hurb (antigo Hotel Urbano), renunciou ao cargo de CEO da companhia na segunda-feira (24) após publicar vídeos debochando e xingando clientes da empresa. A decisão chega 72h depois após o vazamento de um vídeo em que xinga um dos clientes da plataforma de turismo.
Se você perdeu essa tour durante o último feriado prolongado, te explico!
Na sexta-feira, 21 de abril, Mendes ligou para um cliente do Mato Grosso do Sul que faz parte de um grupo de WhatsApp com mais de mil integrantes chamado “#HurbKdMeuVôo”, criado por pessoas que se sentem lesados pela não prestação de serviço do Hurb para discutir sobre seus problemas com reservas. O motivo? Reclamar de um comentário feito pelo consumidor!
“Puxei sua capivara toda, não sabe nem falar seu retardado, bundão. (…) Fica satisfeito de não viajar. Tá arriscado alguém bater nessa mxxda da sua casa hoje seu otário — diz João Ricardo em vídeo que aparece segurando o celular no viva voz, gravando a conversa com o cliente. Ele próprio postou o conteúdo no grupo de WhatsApp.
Depois das ameaças, Mendes diz que vai cancelar a viagem do cliente e conta com a ajuda de funcionário da empresa para fazer uma ‘piadinha sexual’. E não termina por aí: em outra mensagem também expôs esse mesmo cliente divulgando CPF, email, número do cartão, data de nascimento e número de celular no grupo, algo que é crime e, pela Lei Geral de Proteção de Dados, pode gerar multa de até 2% do faturamento da empresa.
Ao time que gere a imagem da empresa coube a divulgação de uma nota lamentando o ocorrido. “O Hurb, empresa brasileira que está no mercado há mais de 12 anos, lamenta o ocorrido na última sexta-feira, 21/04. A companhia sempre prezou pela transparência e a relação de confiança que tem com os seus viajantes. Guiada pelo valor primordial de ser uma empresa feita de pessoas para pessoas e pela missão de democratizar viagens através da tecnologia, reforça que continuará colocando seus clientes e stakeholders sempre em primeiro lugar.”
Porém, está não é a primeira polêmica recente do, então, CEO. Em 13 de abril deste ano, o executivo postou em seu LinkedIn outro vídeo debochando de clientes. Na gravação, João deixa seu tênis em cima de uma faixa de protesto de um consumidor prejudicado pela companhia. Na postagem, ele diz que “erros serão cometidos, pessoas ficarão chateadas, outras não saberão o que estão falando”. “Quero que todos se sintam à vontade, se acham que a nossa ambição é muito alta, de ir para uma CVC, que amarra cachorro com linguiça há 500 anos. Já considero esse problema resolvido e que venha o próximo. Agora, falar que não vamos cometer erros? Esquece. Vamos cometer muitos”, escreveu na publicação.
Por conta da pandemia de covid-19, a empresa enfrenta problema no repasse aos hotéis e pousadas, o que vem gerando problemas aos clientes do Hurb. Os estabelecimentos passaram a não receber quem fechou estadia por intermédio da empresa. Os problemas se avolumaram nos últimos tempos, com a conta de pacotes atrasados somando R$ 140 milhões, segundo a própria empresa.
O empresário costuma gravar vídeos explicando os problemas de fluxo de caixa da empresa e diz que já começou a emitir passagens e também a fazer o pagamento de hotéis atrasados. Ele alega que teria mais de R$ 800 milhões em contas a receber, mas que a liberação de recebíveis teria sido travada pelos bancos, de forma, segundo ele, “injustificada”.
Esta não é a primeira vez em que o líder de uma companhia entra em embates com seu público nas redes sociais causando crises severas de reputação. Elon Musk está nos tabloides praticamente toda semana em função disso! Então, é possível que surja em si uma questão: quem é o responsável por resguardar esse ativo essencial para toda marca?
A responsabilidade por resguardar a reputação de uma empresa não deve recair apenas sobre o CEO ou os líderes de comunicação. Todos os funcionários devem ser conscientizados sobre a importância da imagem da empresa e seu papel na proteção da reputação da organização.
Isso é o que chamamos de preparo e antecipação de crise em Assessoria de Imprensa e Relações Públicas. Mapear os potenciais riscos corporativos e reputacionais, realizar uma análise dos desdobramentos possíveis, elencar os efeitos por grupo de risco e planejar ações de prevenção e controle ajuda a minimizar os efeitos negativos de uma crise. A partir deste manual é possível delegar os cuidados que todos os colaboradores devem ter com a marca que representam.
No caso específico do Hurb, a empresa poderia ter evitado a crise se tivesse um processo de atendimento ao cliente mais eficiente e uma estratégia de tratativa mais clara e eficiente para lidar com clientes insatisfeitos. A exposição dos dados do cliente foi um erro grave que poderia ter sido evitado se a empresa tivesse políticas de privacidade e segurança de dados mais rigorosas.
E do ponto de vista da comunicação? É claro que, no caso da Hubr, Mendes é também seu fundador e acionista majoritário. Portanto, chefe de si mesmo! O que faltou nesse caso – além de inteligência emocional para o executivo – foi contemplar no Manual de Crise sua característica de liderança e o quão perto da crise estariam em função disso, ainda mais depois do primeiro episódio em abril.
Os erros de João Ricardo Mendes causam agora uma série de outros problemas reputacionais ao Hurb, principalmente o aumento das manifestações dos clientes – tanto B2B quanto B2C – nas redes sociais e a quebra de confiança no segmento de atuação.
Agora, passado o episódio, ainda nada se viu de concreto. A carta de três páginas afirma que Otávio Brissant, que está na companhia há mais de 7 anos, assumirá a cadeira de CEO da Hurb de forma interina. Quanto à Mendes, diz que vai buscar conhecimento e crescimento neste período de afastamento das suas atividades.
Será que veremos, a exemplo de Magazine Luiza e Starbucks, seu novo CEO indo para o atendimento para ouvir o cliente e entender suas dores? Até o momento, apesar dos posicionamentos, faltam respostas. E a sensação de negligência é o pior que pode ser passado em um momento de crise.
Naty Sanches
Marketing intergeracional: pluralidade que gera valor real

*Por Naty Sanches
O cenário da comunicação se transforma de maneira cada vez mais rápida. Mas, entre uma trend do TikTok e um vídeo de reação no Instagram, uma certeza se mantém: a comunicação continua sendo sobre gente. Mesmo em meio à hiperfragmentação de plataformas, conteúdos e narrativas, o que move as marcas rumo à relevância é a capacidade de se conectar com pessoas reais, em suas complexidades e camadas geracionais.
Uma saída que as marcas têm encontrado para isso é o marketing intergeracional, que deixa de ser um recurso pontual para virar uma estratégia poderosa de construção e manutenção de marca, especialmente quando usado com intencionalidade.
Reunir diferentes gerações em uma mesma campanha não é apenas uma forma de ampliar o alcance. É, antes de tudo, um gesto simbólico de escuta, respeito e continuidade. Enquanto o mercado costuma colocar as gerações em disputa — “millennials vs. geração Z”, “baby boomers ultrapassados”, “alfa nasceu sabendo” —, campanhas que promovem encontros autênticos entre avós, pais e filhos trazem uma visão mais integradora e estratégica: a de que a construção de reputação e legado se faz na interseção entre memória e desejo de futuro.
Foi exatamente isso que fez a Philips Walita, ao lançar no Instagram a série “Encontro de Gerações”. Com humor, afeto e uma boa pitada de nostalgia, a marca reuniu avós e netos influenciadores em vídeos que reatualizam o imaginário da cozinha brasileira. Ao mostrar que, assim como as receitas passam de geração em geração, os eletrodomésticos da marca também acompanham essa história, a Philips Walita conseguiu tangibilizar dois ativos raros em um único conteúdo: tempo e confiança.
Outro case que vale ser observado com lupa é o da Minâncora. A marca centenária celebrou seus 110 anos com uma ação que reuniu 110 influenciadores, mas foi com a Dona Elma, uma senhora de 101 anos, que o storytelling ganhou densidade. Em um vídeo sensível, ela compartilha histórias pessoais que se entrelaçam com os pilares da marca (cuidado, longevidade, sabedoria). Nada mais potente do que ver valores imateriais ganhando voz, rosto e repertório.
Essas campanhas têm algo em comum: não tratam as gerações como categorias demográficas, mas como camadas de experiência. Elas constroem pontes e não apenas recortes entre públicos diversos, promovendo conteúdos que emocionam, ensinam e geram conversa. E fazem isso com linguagem atual, roteiros criativos e estratégia transmídia.
Mas o marketing intergeracional não é (e não pode ser) só sobre colocar pessoas de idades diferentes lado a lado. É sobre promover trocas reais, escutar o que cada geração tem a dizer e transformar isso em narrativas com relevância social e cultural. Em um mundo que valoriza cada vez mais autenticidade, marcas que apostam nessa abordagem não apenas performam melhor. Elas marcam mais.
Com o avanço da economia prateada, o aumento da longevidade e a presença crescente da Geração Z em posições de consumo e influência, pensar em comunicação plural deixa de ser tendência e passa a ser premissa. Mais do que uma tendência passageira, o marketing intergeracional se mostra uma ferramenta poderosa de conexão emocional, algo que nenhuma tecnologia substitui. Ao valorizar as experiências e a espontaneidade dessas vozes da internet, as campanhas ganham profundidade, contexto e credibilidade.
Marcas que souberem contar histórias que respeitam o tempo, os afetos e os saberes de diferentes gerações não só venderão mais: elas construirão herança simbólica. E isso não tem prazo de validade.
Três caminhos para aplicar o marketing intergeracional de forma estratégica:
1. Escolha porta-vozes que já cultivam o diálogo entre gerações.
Mais do que influenciadores por afinidade etária, busque criadores que gerem pontes reais entre mundos diferentes. Pessoas que vivem (e não apenas interpretam) esse encontro.
2. Incentive trocas autênticas, e não apenas presenças lado a lado.
O valor está na interação: uma avó ensinando um bordado à neta influenciadora ou um neto explicando reels para a bisavó youtuber. Quando há troca, há emoção. E quando há emoção, há memória de marca.
3. Atualize valores atemporais com linguagem de agora.
Tradição, confiança, cuidado, afeto: tudo isso pode (e deve) ser dito no TikTok, no Instagram ou no YouTube, mas com forma, ritmo e estética coerentes com os códigos da cultura digital.
Naty Sanches
Cinco anos após a pandemia: como a covid-19 transformou a comunicação das marcas

*Naty Sanches
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a covid-19 como uma pandemia. O anúncio foi o ponto de partida para mudanças drásticas em diversos setores, e com a comunicação não foi diferente. De lá para cá, a relação entre marcas, consumidores e a imprensa passou por uma transformação intensa e definitiva.
Antes da pandemia, a digitalização da comunicação já era uma tendência de crescimento, mas foi o isolamento social que acelerou esse processo de forma sem precedentes. O que antes era visto como um complemento – lives, eventos virtuais, podcasts corporativos – tornou-se a única alternativa viável para muitas empresas.
Nos primeiros meses, as vidas explodiram. Marcas, artistas, influenciadores e até veículos de comunicação apostaram nesse formato para manter o contato com o público. No entanto, o resultado perdeu força com o tempo. O que antes era novidade se tornou cansativo e, à medida que o mundo voltou ao presencial, muitas dessas iniciativas digitais foram deixadas de lado. O desafio atual é equilibrar esses formatos, garantindo que o online e o físico coexistam de forma estratégica.
O setor de eventos, essencial para o marketing de experiência e o relacionamento entre marcas e consumidores, foi um dos mais impactados pela pandemia. Grandes feiras e conferências foram canceladas ou adaptadas para o digital, resultando em um boom dos eventos online. Mas, à medida que as restrições foram afrouxadas, o público declarou um desejo claro de voltar ao presencial.
Hoje, o cenário se equilibra entre os dois formatos. O digital não substituiu completamente o presencial, mas trouxe novas possibilidades, como eventos híbridos e específicos ao vivo. As marcas que conhecemos integraram esses dois universos que surgiram na frente, conseguindo ampliar seu alcance sem perder a conexão humana.
Os desafios das agências
Para as agências de comunicação e assessoria de imprensa, a pandemia também mostrou um grande desafio, mas com uma oportunidade de reinvenção. A crise econômica gerada pelo cenário pandêmico fez com que muitas empresas cortassem investimentos em marketing e relações públicas, impactando diretamente o setor. No entanto, a necessidade de posicionamento das marcas nunca foi tão evidente. As empresas precisam se comunicar de forma transparente, tanto com clientes quanto com funcionários. Isso fez com que o papel dos profissionais de comunicação fosse valorizado, destacando a importância de estratégias bem estruturadas e adaptáveis.
A assessoria de imprensa, por exemplo, cresceu significativamente nos últimos anos. De acordo com um estudo da PRovoke Media, o mercado global de relações públicas expandiu 10,6% em 2021, atingindo um faturamento de US$14,5 bilhões. No Brasil, segundo a Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom), o setor manteve uma tendência de crescimento, impulsionado pela busca de empresas por oposição e posicionamento estratégico na mídia.
O jornalismo também passou por mudanças. A crise nas redações, que já vinha se desenhando antes da pandemia, se intensificou com a redução na circulação de jornais impressos e o crescimento acelerado do consumo de notícias digitais. Muitos veículos tiveram que se reinventar para manter sua relevância e sustentabilidade financeira. A adoção de paywalls e assinaturas digitais tornou-se uma estratégia essencial para a sobrevivência da imprensa, ao mesmo tempo em que aumentou a dependência das redes sociais e das plataformas de busca para a distribuição de conteúdo.
Um dos casos mais emblemáticos dessa crise foi o da revista IstoÉ, que encerrou sua versão impressa em 2024 após enfrentar dificuldades financeiras e queda na receita publicitária. Fundada em 1976, a revista foi uma das mais influentes do jornalismo brasileiro, mas não resistiu às transformações no consumo de notícias e às mudanças no mercado editorial. A transição para o digital não foi suficiente para reverter a perda de assinantes e a diminuição do interesse do público pelo formato tradicional. Trazendo assim consequências e encerrando, pouco a pouco, suas editorias.
Além disso, a concorrência com influenciadores digitais e novos formatos de mídia fragmentou ainda mais a atenção do público, desafiando o modelo tradicional do jornalismo. Fazendo com que ele se reinvente no formato do TikTok para atrair novos públicos e manter a audiência.
A pandemia também mudou a forma como as marcas fazem publicidade. A ausência de interações presenciais levou ao aumento do investimento em marketing digital, influenciando estratégias de mídia paga, redes sociais e produção de conteúdo.
O marketing de influência ganhou ainda mais relevância, com marcas apostando em criadores de conteúdo para manter o engajamento com o público. No entanto, o consumidor também se tornou mais exigente. Após um período de consumo exacerbado de conteúdos digitais, as pessoas passaram a valorizar marcas que oferecem algo além da publicidade tradicional – seja por meio de propósito, experiências ou narrativas autênticas.
O que podemos esperar pela frente?
Cinco anos após o início da pandemia, a comunicação não é mais a mesma. O digital segue como protagonista, mas o valor da interação humana foi reafirmado. As marcas que conhecemos se adaptaram e aprenderam com esse período saíram mais fortes, apostando em estratégias híbridas, conteúdo autêntico e um olhar mais atento para as necessidades do consumidor. O futuro da comunicação será marcado pelo equilíbrio: entre o digital e o físico, entre tecnologia e humanização, entre impacto e propósito. A pandemia trouxe desafios enormes, mas também abriu espaço para inovação e novas formas de conexão. Agora, cabe às marcas e aos profissionais do setor continuam evoluindo para acompanhar esse novo cenário.