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Digitalização do varejo cria a oportunidade de transformar a vida de pessoas e negócios

*Carol Kiçula
De acordo com a 5ª edição do estudo “Transformação Digital no Varejo Brasileiro”, produzido pela SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) em parceria com a OasisLab Innovation Space, a transformação digital é muito mais importante para o setor do que apenas para ajudar no aumento de produtividade e crescimento rápido no mercado. Segundo 44% dos varejistas entrevistados na pesquisa, essa nova era digital será a responsável por reinventar modelos de negócios como um todo.
Levantamentos como esse mostram que o Brasil, conhecido por ter uma herança corporativa tradicional em diversos âmbitos, está realmente passando por uma notável mudança. As empresas da cadeia varejista do país estão cada vez mais reconhecendo o valor estratégico que os dados podem proporcionar, função que permite às organizações tomar decisões mais informadas, direcionadas e transparentes.
Peguemos como exemplo os sistemas de Customer Relationship Management (CRM), os quais estão se desenvolvendo e difundindo pelo país. Essas soluções permitem que as companhias coletem, armazenem e analisem uma ampla gama de informações sobre seus clientes, incluindo histórico de compras, preferências, comportamento de navegação online, interações com a marca e muito mais. Além disso, há a possibilidade de concentrar todas elas em uma única plataforma, garantindo uma visão abrangente do público e viabilizando a criação de estratégias de marketing personalizadas.
Ou seja, há uma vantagem dupla na utilização de tecnologias como essa. De um lado, operacional, visto que os varejistas podem utilizar as novas ferramentas para automatizar processos e melhorar a comunicação entre os seus envolvidos, sejam eles colaboradores, fornecedores, distribuidores ou mesmo consumidores. Do outro, a potencialização de resultados, feita a partir da obtenção de insights valiosos, que auxiliam na identificação de tendências de mercado e antecipação das necessidades do público-alvo.
É uma verdadeira rede de benefícios, que pode se aplicar a negócios de todos os portes; por isso, a solução tem atraído a atenção desde grandes corporações até PMEs. Inclusive, dentro desse último segmento, os supermercados de bairro estão ocupando a linha de frente na digitalização das suas atividades. Com softwares de gestão e os próprios recursos voltados para a análise de dados, o pequeno empreendedor está percebendo que essa alteração de rota não é apenas mais simples de ser feita por ele – afinal, suas estruturas são menos complexas do que as de uma grande empresa, como também é mais assertiva.
Como um empresário que é próximo do seu público e o conhece bem, as tecnologias de inteligência de dados estão se tornando caminhos para esse profissional estruturar um bom mix de produtos, trazendo uma diversidade de itens em suas gôndolas que agrada ao perfil de cliente que frequenta aquela loja. Isso sem falar no aumento do gerenciamento de estoques, evitando excessos ou falta de itens.
E não espere que a digitalização do varejo supermercadista de bairro, assim como das grandes redes, entre em um platô nos próximos anos. A transformação digital deve se intensificar ainda mais no meio, com o comércio eletrônico continuando a crescer, impulsionado pela conveniência e variedade de portfólios oferecidos online. Os supermercados investirão em soluções de entrega e coleta mais eficientes, como aplicativos de entrega e serviços no mesmo dia, e na integração de canais de venda físicos e online.
Da inteligência artificial ao aprendizado de máquina, tecnologias avançadas também serão adotadas para personalizar ofertas, melhorar a eficiência operacional e assegurar um bom compliance. Sistemas de segurança da informação e privacidade de dados, por exemplo, se tornarão prioridades para as empresas, a partir do momento que a expansão de operações pedirá por medidas de proteção robustas aos clientes.
Em suma, o varejo está diante de oportunidades emocionantes e revolucionárias, que são – e já estão sendo – cruciais para levar o setor a uma etapa inédita em sua história. Nela, os consumidores podem ter mais opções e experiências de compra aprimoradas, enquanto os donos dos negócios e os times não precisam se preocupar com tarefas mecânicas, apenas com funções totalmente estratégicas. São mudanças que possuem um poder de transformação enorme, com a capacidade de melhorar as jornadas de todas as pessoas presentes nesse ecossistema.
*Carol Kiçula é Head de Customer Success da IZIO&Co.
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A COP30 e o rótulo como instrumento de política pública: O papel das marcas nessa construção

*Valmir Rodrigues
Enquanto o mundo comenta os avanços e o que poderia ter sido melhor na COP30, milhões de pequenos produtores e povos indígenas seguem invisíveis nas embalagens – e também no dinheiro que circula pelas cadeias de consumo. No fim, não são governos nem organismos internacionais que definem o ritmo de uma transição justa, mas o cidadão comum, que exerce poder diariamente por meio de suas escolhas de compra.
Quando o assunto é clima, o imaginário coletivo se volta quase sempre ao petróleo e às florestas. No entanto, quem realmente mexe o ponteiro, todos os dias, é o sistema de consumo, começando pelo alimento, responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. Cada vez que alguém enche o carrinho no supermercado, decide não apenas o que vai comer, mas quais produtores, territórios e modelos de negócio vai financiar.
O documento final da COP30, em Belém, aponta para um mundo em transição: triplicação do financiamento para adaptação, reforço da justiça climática e maior centralidade da Amazônia no debate. É um passo relevante. Mas permanece sem resposta a pergunta essencial: como essa ambição chega ao prato do consumidor e, sobretudo, às mãos de quem produz o que está nesse prato?
No Brasil, essa questão ganha nome e endereço. Segundo o Censo Agropecuário, cerca de 3,9 milhões de estabelecimentos de agricultura familiar representam 77% de todas as propriedades agrícolas do país e respondem por grande parte da comida consumida diariamente. Ao lado deles, as Terras Indígenas ocupam aproximadamente 13% do território nacional e concentram algumas das áreas mais bem preservadas do país. As imagens de satélite mostram isso de forma inequívoca: onde há terra indígena demarcada, a floresta permanece; onde não há, a pressão avança rapidamente.
São justamente esses grupos – pequenos produtores e povos indígenas – que figuram nos discursos da COP30, mas continuam à margem das principais decisões e quase ausentes das embalagens, dos rótulos e do fluxo econômico das cadeias de consumo.
Fora das salas de negociação, as pesquisas mostram que metade ou mais dos consumidores já aceita pagar um valor maior por produtos considerados sustentáveis, e que itens com alegações ambientais e sociais crescem mais em vendas do que concorrentes “neutros” na mesma gôndola. Não falta boa vontade do consumidor; falta transparência, linguagem acessível e modelos de negócio que garantam que esse valor adicional chegue à base da cadeia – às famílias agricultoras e às comunidades indígenas que o Pacote de Belém promete proteger.
É nesse ponto que surge o grande desafio, mas também uma enorme oportunidade para a indústria de alimentos e para as marcas de forma geral: transformar o Pacote de Belém em produtos e embalagens capazes de falar a linguagem do consumidor e criar uma ponte direta com quem produz. Isso significa abandonar o “green talk” genérico e adotar informações que conectem o público ao território de origem, apresentem propriedades, cooperativas, comunidades e terras indígenas, e expliquem de maneira simples como cada escolha contribui para manter a floresta em pé ou fortalecer um pequeno produtor. Também significa incorporar indicadores claros de justiça na cadeia, mostrando de forma objetiva qual parcela
do valor pago chega ao campo e substituindo selos abstratos por transparência concreta e compreensível.
A embalagem pode se tornar, mais do que um recurso de marketing, uma ferramenta de política pública. Ela pode aproximar produção e consumo quando fizer sentido, especialmente em alimentos frescos, onde transporte e cadeia fria têm grande peso nas emissões, ajudar a reduzir desperdício ao oferecer informações claras sobre porções, conservação e uso integral, e mostrar, com números simples e histórias reais, como aquela compra financia territórios e modos de produção específicos, e não apenas uma marca
distante da realidade do campo.
Depois da COP30, a disputa não se limita ao texto de documentos internacionais, mas se estende à confiança na ponta da cadeia. As marcas que conseguirem demonstrar, com dados acessíveis e linguagem clara, que transformam a vontade do consumidor em renda e proteção para pequenos produtores e povos indígenas vão sair na frente.
Algumas já dão os primeiros passos: utilizam QR codes que mostram a fazenda, a cooperativa ou o território de origem; simplificam embalagens para contar histórias concretas em vez de slogans genéricos; e testam modelos nos quais uma parcela do preço é vinculada diretamente a projetos em comunidades rurais. A maioria, porém, ainda permanece no slide da COP, distante da gôndola.
No fim, a pergunta central não é se o Pacote de Belém foi ambicioso o suficiente. A verdadeira questão, para o Brasil e para o mundo, é outra: o pacote que o consumidor leva para casa continuará mudo sobre quem produz, quanto recebe e que impacto gera, ou finalmente passará a contar a verdade que uma transição justa exige?
*Valmir Rodrigues – Fundador da My Trusted Source (MyTS) .
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Imersão além do jargão: o que as marcas precisam entender agora

*Alexis Anastasiou
Nos últimos anos, palavras como “imersivo”, “360°” e “cenografia imersiva” se tornaram quase um clichê no mercado de brand experience. Conceitos originalmente associados a projetos de alta complexidade criativa passaram a ser usados para qualquer evento com LED ou projeção. O resultado é previsível: quando tudo é imersivo, nada realmente é.
Mas existe uma confusão central nesse debate. Imersão não é estética, é propósito.
É a capacidade de tirar o público do óbvio, deslocando percepção, criando significado e permitindo que ele experimente uma realidade que só existe naquele encontro. Sem narrativa consistente, sem transformação sensorial e sem um território simbólico claro, o que resta não passa de decoração tecnológica.
A boa notícia é que o próprio público já percebeu isso. Ele não se deixa impressionar apenas por estímulos visuais. Ele busca vivência, não vitrines. E o mercado começa a reconhecer que o rótulo “imersivo” só faz sentido quando a ideia encontra um suporte capaz de levar a história adiante.
Por isso, a discussão agora vai além do “como deixar bonito” e entra no “como criar presença”. É nesse ponto que iniciativas permanentes de produção tecnológica, como laboratórios de artes imersivas e espaços dedicados à pesquisa de formatos, vêm provocando uma mudança real no setor. Ao permitir testar, iterar e produzir storytelling com menos desperdício e mais profundidade, esses modelos deslocam o foco de um espetáculo de superfície para uma mídia que dialoga com tempo, memória e subjetividade.
Algumas experiências recentes em projetos culturais e lançamentos de marca já mostram os efeitos dessa virada: o público deixa de ser plateia para se tornar protagonista; a revelação de um produto deixa de ser um truque para virar jornada; a cenografia deixa de ser cenário e passa a ser narrativa.
Imersão, portanto, não é um efeito especial: é uma gramática.
Se o mercado estiver realmente disposto a estudá-la, deixaremos de confundir novidade com inovação e começaremos a entregar experiências que têm algo a dizer. As marcas que se anteciparem a essa maturidade terão, inevitavelmente, vantagem competitiva, porque a memória não se forma apenas pela imagem, mas pelo sentido que ela carrega.
E, no fim das contas, é isso que fica: a história. A tecnologia só importa quando ajuda a contá-la.
Alexis Anastasiou – Diretor e fundador do Visualfarm Gymnasium








