Alexis Pagliarini
Ativismo ou neutralidade?

Por Alexis Pagliarini
Lembro-me bem. Quando fui contratado pela Coca-Cola, como Gerente de Promoções e Eventos, recebi um código de conduta e uma recomendação expressa de nunca emitir opinião de cunho político ou de outros temas sensíveis no exercício das minhas funções profissionais, envolvendo a empresa. “Aqui não tratamos de temas sensíveis, polêmicos”, me disse em tom sério o Diretor de RH. Isso foi há muitos anos.
Hoje, vemos a mesma empresa ganhar prêmios, se posicionando de forma explícita contra a homofobia, por exemplo. Como no case ganhador de Leões em Cannes há alguns anos, quando a empresa envazou latas de Coca-Cola com Fanta, só para ridicularizar a expressão homofóbica “Esta Coca-Cola é Fanta, hein!”. E a empresa corajosamente comunicou: “Esta Coca-Cola é Fanta, sim. E daí?!”. A iniciativa aconteceu no momento da Parada LGBT+ de São Paulo e, logicamente, foi uma tiragem limitada, apenas para gerar o buzz e firmar o posicionamento da empresa contra a homofobia. À medida em que as pessoas se tornam mais críticas e atentas às questões socioambientais, acabam cobrando das empresas atitudes coerentes com suas convicções, sob risco de preteri-las, em favor de outras mais sensíveis e corajosas.
Hoje, espera-se mais das empresas. Além de gerar produtos e serviços de qualidade e disponibilizá-los a preço justo, espera-se que as empresas façam algo mais pela sociedade, que se posicionem e que pratiquem ativismo. O Trust Barometer, realizado anualmente pelo Edelman Group, não deixa dúvidas: as empresas são a única instituição confiável no Brasil (mais do que ONGs, Mídia e Governo), mas, em contrapartida, a maioria dos participantes das pesquisas esperam que as empresas atuem no vácuo dos governos, fazendo algo além para a sociedade. Mas, nesse mundo polarizado, a empresa que se posiciona abertamente, deve esperar “likes”, mas também se preparar para os “haters”.
Trazendo o tema para o Live Marketing, como deve ser a atitude do organizador de um evento? Será que é melhor buscar a neutralidade ou assumir um posicionamento mais ativista, em relação às questões socioambientais. Ao assessorar meus clientes, sempre recomendo que haja um manifesto do evento, em linha com o respeito socioambiental e, logicamente, que a organização leve em conta o compromisso assumido. Por exemplo, pode-se exibir, logo no credenciamento do evento, uma comunicação clara, do tipo: “1- Este evento busca equidade de gêneros e repudia atitudes de preconceito de qualquer ordem, valorizando a diversidade. 2- Este evento adota medidas para minimizar o uso de recursos naturais e gerar o mínimo resíduo possível, abolindo embalagens descartáveis e materiais não sustentáveis.” Feito este manifesto, é preciso incluir na organização um check-list que garanta o cumprimento do compromisso assumido. Sem exagero ou ativismo exagerado, acho que todos, indistintamente, somos responsáveis por melhorar o ambiente em que atuamos. Só assim reverteremos a deterioração socioambiental que vivenciamos. É preciso, sim, de ativismo propositivo e de manifestações explícitas por um mundo mais justo, respeitoso e inclusivo.
Alexis Pagliarini
COP30: Momentos de tensão

Por Alexis Pagliarini
Este é o terceiro artigo sobre a COP30 que escrevo por aqui. Desde o primeiro, já alertava sobre o risco iminente de colapso estrutural da cidade de Belém para receber um evento dessa magnitude. O que vemos agora é que a realização da COP30 em Belém, marcada para novembro de 2025, enfrenta um risco real — não pelas pautas climáticas, mas por uma crise humanamente previsível: a falta de hospedagem acessível e estruturada na cidade-sede. O que deveria ser uma oportunidade histórica para o Brasil se transformar em cenário de controvérsia por números: enquanto a expectativa é reunir cerca de 50 a 45 mil participantes, Belém dispõe de apenas cerca de 18 000 leitos formais.
O que já é um gargalo logístico transforma-se em crise quando se observa os valores praticados: hospedagens sendo oferecidas a até US$ 700 por diária — 10 a 15 vezes acima do preço normal — ou chegando a cifras surreais como R$ 100 000 por noite ou imóveis por R$ 2 milhões no período. Em uma comparação que beira o absurdo, uma acomodação passou de cerca de US$ 11 para US$ 9 320 por dia.
Diante desse colapso, o alarmante veio à tona com uma reunião de emergência realizada pela ONU em julho de 2025, quando delegações — sobretudo dos países em desenvolvimento — expressaram indignação e alertaram para possíveis cortes ou boicotes à conferência, se não houvesse resposta rápida. Alguns chegaram a pedir formalmente a transferência da COP30 para outra sede.
O governo brasileiro, confrontado com essa situação, se mobilizou. Firmou acordos com hotéis, articulou o uso de navios de cruzeiro com cerca de 6 mil leitos, ampliou alternativas como escolas, motéis, igrejas e a temida “Vila COP”, e manifestou o compromisso de apresentar um plano de mitigação até 11 de agosto.
Apesar disso, os efeitos permanecem preocupantes: consultas à nova plataforma de reservas mostram valores entre US$ 360 e US$ 4 400 por noite, além de quase 2 000 pessoas em lista de espera. O temor de exclusão de países e da sociedade civil cresce: se apenas os setores mais ricos conseguirem garantir hospedagem, a COP30 corre o risco de se tornar um evento elitizado, prejudicando sua legitimidade e o protagonismo brasileiro na agenda ambiental global.
Esse contexto é ainda mais delicado dado o cenário político internacional — com os Estados Unidos retirando-se do Acordo de Paris —, o que torna essencial que o Brasil conduza a COP30 de maneira simbólica e eficaz. Se falhar em garantir acesso equitativo, pode implicar em retrocessos diplomáticos e ambientais, perdendo uma oportunidade decisiva de reafirmar sua liderança e compromisso climático.
Em síntese, a COP30 já enfrenta um adversário real antes mesmo de começar: a incapacidade logística de oferecer hospedagem digna e acessível. Se os riscos — desde desertores até críticas globais — não forem contidos, o evento pode falhar em sua intenção mais básica: ser uma plataforma inclusiva para o futuro climático.
Alexis Pagliarini
Sem o “G” não há ESG

Nos últimos anos, tornou-se comum ver empresas declarando adesão aos princípios ESG. Sustentabilidade passou a fazer parte da narrativa institucional e muitos executivos citam a sigla com frequência em painéis, relatórios e apresentações corporativas. Mas, para além do discurso, é na prática cotidiana que se revela o verdadeiro compromisso — ou a sua ausência.
E entre os três pilares do ESG, é justamente o “G” de Governança que costuma receber menos atenção. Enquanto a pauta ambiental (E) e as ações sociais (S) ganham mais visibilidade, a governança — que diz respeito à ética, transparência, conformidade e responsabilidade nas relações — ainda é tratada por muitos como um item técnico ou burocrático. Isso é um erro estratégico e moral.
Governança é a base. Sem ela, os compromissos ambientais e sociais se tornam frágeis, oportunistas ou incoerentes. Um exemplo claro disso está na forma como algumas empresas, mesmo se dizendo “sustentáveis”, tratam seus fornecedores. É comum a imposição de prazos abusivos de pagamento — 120, 150 dias — que comprometem o fluxo de caixa de pequenos negócios e colocam em risco a sustentabilidade da cadeia produtiva. Essas práticas revelam uma lógica de curto prazo e lucro a qualquer custo, que vai na contramão dos princípios do Capitalismo Consciente, segundo o qual todos os stakeholders devem se beneficiar da atividade econômica, não apenas o contratante.
No setor de eventos, esse desafio se intensifica. A informalidade ainda predomina em muitos bastidores, com profissionais contratados sem registro formal, pagamentos por fora, jornadas exaustivas e ausência de condições mínimas de trabalho. Há, infelizmente, casos que se aproximam de regimes análogos à escravidão, especialmente na montagem e desmontagem de estruturas. A busca por redução de custos não pode ser usada como justificativa para negligência ética.
Além disso, vemos frequentemente práticas de concorrência desleal, favorecimento em processos de seleção de fornecedores, e, em casos mais graves, corrupção institucionalizada nos bastidores de grandes eventos. Não se trata apenas de “dar um jeitinho”. Trata-se de práticas que violam os fundamentos do ESG e perpetuam um modelo empresarial excludente, opressor e insustentável.
A verdadeira Governança exige:
Sem isso, qualquer ação “verde” ou “social” perde força. ESG não é um rótulo, é um sistema de valores que se traduz em decisões cotidianas — inclusive (e sobretudo) nas que ninguém está vendo.
É hora de o setor de eventos — e o meio empresarial como um todo — amadurecer sua compreensão sobre o “G”. Não avançaremos na construção de uma nova economia se continuarmos aceitando o velho modo de fazer negócios: informal, desigual e, muitas vezes, imoral.