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André Palis – Era da conveniência e o fim da privacidade

A situação é corriqueira na internet: você precisa baixar um arquivo ou comprar um produto e lá vem o pedido de e-mail, um cadastro ou, na melhor das hipóteses, um acesso facilitado via Facebook. Se o tal arquivo ou produto realmente te interessam, então você segue o fluxo. Fornece logo o e-mail ou clica no botão “aceito os termos”, enquanto troca seus dados pelo acesso ao que deseja. A verdade é que é quase impossível navegar na internet sem deixar rastros em forma de dados. Isso é uma realidade. Mas, ela é negativa ou positiva? Talvez a resposta mais sensata é que depende da forma de uso dessas informações.
De maneira geral, se uma empresa séria estiver com seus dados na mão, eles serão usados para te oferecer produtos ou serviços alinhados ao seu perfil. Ou seja: seus dados tornam possível que ofereçam algo que você realmente precisa. Quando os dados são usados de maneira positiva, eles geram satisfação e conveniência. Até aqui, tudo certo.
Por outro lado, sabemos que é possível fazer uso mal intencionado dos dados. Exemplo: ao mesmo tempo que a geolocalização favorece que uma empresa idônea te aborde com algo relevante, instituições questionáveis podem saber exatamente por onde e com quem você anda e se relacionado. Ser perseguido por promoções que o farão economizar é bom, mas e se você quiser pesquisar algo na internet sem ficar sendo lembrando disso depois? E se não quiser que ninguém saiba o que assistiu na Netflix, o que ouviu no Spotify ou o que procurou no Mercado Livre? Há ainda a possibilidade de extração dos seus dados para fins ilícitos.
Portanto, a conclusão é que não é a disponibilidade dos dados que preocupa, mas sim a acessibilidade deles. Dados estão disponíveis mesmo e daqui pra frente estarão cada vez mais. Nós, como usuários, temos que entender que é um caminho sem volta. O assustador é não ter autonomia para saber quem acessa esses dados. Se for o Google, ok. Eu confio que eles farão um bom uso de dados. Mas quem mais pode acessar? Esse é o grande problema.
A publicidade no ambiente digital é baseada em dados. Veja bem: não é que os dados auxiliam ou dão uma “mãozinha” na hora de impactar o cliente. Eles são o ponto de partida do marketing digital. Sem eles, a estratégia é a velha de sempre: pesquisas de mercado, estudos de comportamento e, em sua maioria, meras suposições.
Ficar sem dados não seria bom para as empresas, que perderiam sua bússola para encontrar o cliente certo, no momento oportuno. Mas também não seria a melhor opção para os consumidores, que ficariam sem a conveniência de receber ofertas que realmente lhe interessam. Não há como negar. Mas se a coleta e o tratamento de dados são uma realidade e há lados positivos e negativos nisso, então como proceder no dia a dia?
Da perspectiva do usuário, a palavra de ordem é prudência. Prestar bem atenção em qual lugar você está se conectando na rede, que tipo de dados estão te solicitando, que tipo de uso da internet você vai fazer naquele espaço e, evidentemente, se atentar aos termos de uso. Nunca vi uma pesquisa, mas acho que a maioria das pessoas leem os termos de privacidade antes de clicar em “aceito os termos”.
As empresas, por outro lado, além de se adequarem à Lei Geral de Proteção de Dados, que é o básico, precisam ser transparentes. Não dá para enrolar o usuário e nem colocar textos difíceis de serem lidos: é preciso comunicar sobre a utilização dos dados, assim como pedir autorização para tratá-los. Além disso, as empresas sérias precisam investir em tecnologia robusta para garantir a proteção dos dados dos seus clientes. Seguramente, esse será um dos pilares das grandes empresas nos próximos anos.
Por fim, a verdade é que, na era digital, teremos que trocar um pouco de privacidade por conveniência e entregar alguns dados para ganharmos acessos. Os grandes desafios serão descobrir a dosagem certa dessa nova forma de fazer escambo, além é claro de garantir a segurança acerca de quem acessa esses dados.
Formado em administração pela Universidade Federal de Santa Catarina, André Palis é sócio-fundador da Raccoon.
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A COP30 e o rótulo como instrumento de política pública: O papel das marcas nessa construção

*Valmir Rodrigues
Enquanto o mundo comenta os avanços e o que poderia ter sido melhor na COP30, milhões de pequenos produtores e povos indígenas seguem invisíveis nas embalagens – e também no dinheiro que circula pelas cadeias de consumo. No fim, não são governos nem organismos internacionais que definem o ritmo de uma transição justa, mas o cidadão comum, que exerce poder diariamente por meio de suas escolhas de compra.
Quando o assunto é clima, o imaginário coletivo se volta quase sempre ao petróleo e às florestas. No entanto, quem realmente mexe o ponteiro, todos os dias, é o sistema de consumo, começando pelo alimento, responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. Cada vez que alguém enche o carrinho no supermercado, decide não apenas o que vai comer, mas quais produtores, territórios e modelos de negócio vai financiar.
O documento final da COP30, em Belém, aponta para um mundo em transição: triplicação do financiamento para adaptação, reforço da justiça climática e maior centralidade da Amazônia no debate. É um passo relevante. Mas permanece sem resposta a pergunta essencial: como essa ambição chega ao prato do consumidor e, sobretudo, às mãos de quem produz o que está nesse prato?
No Brasil, essa questão ganha nome e endereço. Segundo o Censo Agropecuário, cerca de 3,9 milhões de estabelecimentos de agricultura familiar representam 77% de todas as propriedades agrícolas do país e respondem por grande parte da comida consumida diariamente. Ao lado deles, as Terras Indígenas ocupam aproximadamente 13% do território nacional e concentram algumas das áreas mais bem preservadas do país. As imagens de satélite mostram isso de forma inequívoca: onde há terra indígena demarcada, a floresta permanece; onde não há, a pressão avança rapidamente.
São justamente esses grupos – pequenos produtores e povos indígenas – que figuram nos discursos da COP30, mas continuam à margem das principais decisões e quase ausentes das embalagens, dos rótulos e do fluxo econômico das cadeias de consumo.
Fora das salas de negociação, as pesquisas mostram que metade ou mais dos consumidores já aceita pagar um valor maior por produtos considerados sustentáveis, e que itens com alegações ambientais e sociais crescem mais em vendas do que concorrentes “neutros” na mesma gôndola. Não falta boa vontade do consumidor; falta transparência, linguagem acessível e modelos de negócio que garantam que esse valor adicional chegue à base da cadeia – às famílias agricultoras e às comunidades indígenas que o Pacote de Belém promete proteger.
É nesse ponto que surge o grande desafio, mas também uma enorme oportunidade para a indústria de alimentos e para as marcas de forma geral: transformar o Pacote de Belém em produtos e embalagens capazes de falar a linguagem do consumidor e criar uma ponte direta com quem produz. Isso significa abandonar o “green talk” genérico e adotar informações que conectem o público ao território de origem, apresentem propriedades, cooperativas, comunidades e terras indígenas, e expliquem de maneira simples como cada escolha contribui para manter a floresta em pé ou fortalecer um pequeno produtor. Também significa incorporar indicadores claros de justiça na cadeia, mostrando de forma objetiva qual parcela
do valor pago chega ao campo e substituindo selos abstratos por transparência concreta e compreensível.
A embalagem pode se tornar, mais do que um recurso de marketing, uma ferramenta de política pública. Ela pode aproximar produção e consumo quando fizer sentido, especialmente em alimentos frescos, onde transporte e cadeia fria têm grande peso nas emissões, ajudar a reduzir desperdício ao oferecer informações claras sobre porções, conservação e uso integral, e mostrar, com números simples e histórias reais, como aquela compra financia territórios e modos de produção específicos, e não apenas uma marca
distante da realidade do campo.
Depois da COP30, a disputa não se limita ao texto de documentos internacionais, mas se estende à confiança na ponta da cadeia. As marcas que conseguirem demonstrar, com dados acessíveis e linguagem clara, que transformam a vontade do consumidor em renda e proteção para pequenos produtores e povos indígenas vão sair na frente.
Algumas já dão os primeiros passos: utilizam QR codes que mostram a fazenda, a cooperativa ou o território de origem; simplificam embalagens para contar histórias concretas em vez de slogans genéricos; e testam modelos nos quais uma parcela do preço é vinculada diretamente a projetos em comunidades rurais. A maioria, porém, ainda permanece no slide da COP, distante da gôndola.
No fim, a pergunta central não é se o Pacote de Belém foi ambicioso o suficiente. A verdadeira questão, para o Brasil e para o mundo, é outra: o pacote que o consumidor leva para casa continuará mudo sobre quem produz, quanto recebe e que impacto gera, ou finalmente passará a contar a verdade que uma transição justa exige?
*Valmir Rodrigues – Fundador da My Trusted Source (MyTS) .
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Imersão além do jargão: o que as marcas precisam entender agora

*Alexis Anastasiou
Nos últimos anos, palavras como “imersivo”, “360°” e “cenografia imersiva” se tornaram quase um clichê no mercado de brand experience. Conceitos originalmente associados a projetos de alta complexidade criativa passaram a ser usados para qualquer evento com LED ou projeção. O resultado é previsível: quando tudo é imersivo, nada realmente é.
Mas existe uma confusão central nesse debate. Imersão não é estética, é propósito.
É a capacidade de tirar o público do óbvio, deslocando percepção, criando significado e permitindo que ele experimente uma realidade que só existe naquele encontro. Sem narrativa consistente, sem transformação sensorial e sem um território simbólico claro, o que resta não passa de decoração tecnológica.
A boa notícia é que o próprio público já percebeu isso. Ele não se deixa impressionar apenas por estímulos visuais. Ele busca vivência, não vitrines. E o mercado começa a reconhecer que o rótulo “imersivo” só faz sentido quando a ideia encontra um suporte capaz de levar a história adiante.
Por isso, a discussão agora vai além do “como deixar bonito” e entra no “como criar presença”. É nesse ponto que iniciativas permanentes de produção tecnológica, como laboratórios de artes imersivas e espaços dedicados à pesquisa de formatos, vêm provocando uma mudança real no setor. Ao permitir testar, iterar e produzir storytelling com menos desperdício e mais profundidade, esses modelos deslocam o foco de um espetáculo de superfície para uma mídia que dialoga com tempo, memória e subjetividade.
Algumas experiências recentes em projetos culturais e lançamentos de marca já mostram os efeitos dessa virada: o público deixa de ser plateia para se tornar protagonista; a revelação de um produto deixa de ser um truque para virar jornada; a cenografia deixa de ser cenário e passa a ser narrativa.
Imersão, portanto, não é um efeito especial: é uma gramática.
Se o mercado estiver realmente disposto a estudá-la, deixaremos de confundir novidade com inovação e começaremos a entregar experiências que têm algo a dizer. As marcas que se anteciparem a essa maturidade terão, inevitavelmente, vantagem competitiva, porque a memória não se forma apenas pela imagem, mas pelo sentido que ela carrega.
E, no fim das contas, é isso que fica: a história. A tecnologia só importa quando ajuda a contá-la.
Alexis Anastasiou – Diretor e fundador do Visualfarm Gymnasium









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